A
desigualdade, sobretudo étnica, marca a história brasileira desde o início. Nos
“Brasios” Negreiros, os negros, amontoados nos porões, foram esmagados para
sustentar uma ordem branca, escravocrata, que se valeu de setores médios para ir
mais alto, apoiando-se na cabeça dos que estavam debaixo. A economia, ao mesmo
tempo extrativista e de monocultura canavieira, também explorou o trabalho com
o cacau. Explorou, explorou de novo e continua explorando...
A
desigualdade, oriunda desse modelo, nunca mais foi superada, estando muito presente
na pirâmide social. Negros frequentam restaurantes da elite branca somente como
serviçais. Amontoam-se em ônibus na hora do rush — uma possível reminiscência
do tráfico negreiro, no tráfego urbano — enquanto, em carros, cada vez mais
brancos, a elite “sofre” no engarrafamento, com ar condicionado e música
ambiente. Aos setores médios, que se creem altos, é permitida a faculdade
privada. Sempre com ensino de péssima qualidade, nenhuma pesquisa científica e
vagas ociosas, dado o alto valor cobrado. A universidade pública ainda mantém a
qualidade, porém está proibida, por questões conjunturais e históricas, aos
descendentes da escravidão. A política de cotas, como uma gota no oceano, se
esforçava para alterar esse estado de coisas.
Um
dia, a sede da democracia tornou-se o domínio de uma única família (branca).
Dessa fortaleza passaram a partir ordens — e os meios — para a transformação da
floresta em cinzas, alimentando a sanha neoliberal. Sob o império do
capitalismo financeiro, onde o próprio capital se converte em mercadoria, uma
nova política de redistribuição de renda começou a ter lugar. A leis
trabalhistas voltaram a instituir a chibata, ao inviabilizar aposentadorias dos
setores de baixo. A polícia se tornou cada vez mais violenta e as mortes de
negros pobres aumentaram. Cartunistas e artistas que ousaram questionar a
política de extermínio da pobreza tiveram suas obras destruídas publicamente
por parlamentares. Pobres e negros favelados que ousaram se divertir sábado à
noite foram pisoteados e espancados até a morte por policiais, enquanto o
governador, branco, fingiu que não tinha nada com isso.
A construção de uma sociedade melhor passa,
inevitavelmente, por mandar para o ralo o atual governo fascista, junto com os
privilégios brancos. A eliminação de um problema não representa,
necessariamente, sua solução. A construção de uma nova ordem social, menos
desigual, pede um caminho ainda não percorrido, e nem encontrado nos últimos
séculos. Cabe às gerações atuais, sua construção, para que sempre exista a esperança
de um país pleno e diverso, multiétnico e multicultural, iluminado pela flor da
felicidade e da alegria.
André
Porto Ancona Lopez, dez. 2019